Neste meu primeiro artigo, peço permissão aos leitores para que eu aborde um tema que não é mais tão novidade assim: A prisão do Deputado Daniel da Silveira. A prisão se deu já há algum tempo e já foi alvo de amplo debate tanto na mídia quanto nas redes sociais.
Entendendo o caso de Daniel da Silveira
Após um vídeo de extremo mau gosto -pra dizer o mínimo- do deputado, sua prisão foi decretada pelo Supremo Tribunal Federal por flagrante de crime inafiançável que é a única hipótese permitida para que um deputado seja preso. Por mais que muitos dos leitores vejam isso como um privilégio indevido, na verdade se trata de uma proteção boa e necessária para preservar o cargo (não a pessoa).
Imediatamente após a prisão, as redes sociais foram tomadas pela discussão sobre a legalidade da prisão focada em dois pontos: 1- A imunidade parlamentar teoricamente o deixaria imune; 2- Não havia flagrante na conduta de Daniel.
Ambas as teorias são bastante forçadas. Quanto à imunidade, há ampla jurisprudência e doutrina que garantem não haver imunidade parlamentar nesse tipo de situação. Vejam, há algum tempo é sedimentado que falas fora do parlamento não estão cobertas se não tiverem relação com a atuação do parlamentar. Uma vez que incitar a morte de ministros da mais alta corte não pode fazer parte da plataforma política de um parlamentar justamente por ser um atentado à Constituição que o parlamentar jurou cumprir e que inclusive garante a ele o posto dele.
Dessa forma, um deputado que faça um debate sobre a descriminalização da maconha ou do aborto, tem o direito de ter atuação em prol disso, logo não pode ser acusado de crime por isso. Já crimes como o de Daniel ou o do então deputado Jair Bolsonaro no caso com Maria do Rosário, não são uma questão que perpassa uma opinião política. Sendo assim, não estão cobertos pela imunidade parlamentar.
Já no tocante ao flagrante, o entendimento é que uma vez que o vídeo estava online, o crime estava continuamente sendo cometido, se prolongando no tempo. Por isso, não é necessário pegar o deputado no momento em que este faz o upload do vídeo, mas enquanto este vídeo está causando os danos.
Ambos os argumentos são facilmente jogados por terra em uma leitura da decisão que decretou a prisão. Claro, todos esses pontos poderiam ser esmiuçados de forma mais pormenorizada mas não é este o intuito do texto e sim um outro ponto pouco explorado.
Como informado anteriormente, para que um deputado seja preso é necessária que a prisão seja feita em flagrante delito de crime inafiançável. Já estabelecemos que há o crime, que há o flagrante delito mas e a inafiançabilidade do crime ? Para isso, vejamos o que é um crime inafiançável:
Art. 323. Não será concedida fiança: I – nos crimes de racismo; II – nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; III – nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
Código de Processo Penal
Ressalto que a citação acima espelha o que está na Constituição Federal. Nota-se que o artigo da Lei de Segurança Nacional o qual foi imputado ao deputado não está entre os crimes determinados como hediondos. Esse ao meu ver é a grande questão relativa a isso. Vejamos então o que diz a decisão que determina a prisão de Daniel:
Ressalte-se, ainda, que, a prática das referidas condutas criminosas
Ministro Alexandre de Morais
atentam diretamente contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático; apresentando, portanto, todos os requisitos para que, nos
termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, fosse decretada a
prisão preventiva; tornando, consequentemente, essa prática delitiva
insuscetível de fiança, na exata previsão do artigo 324, IV do CPP (“Art.324 não será, igualmente, concedida fiança: IV quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva)
Ou seja, o excelentíssimo ministro se utiliza do Artigo supracitado para justificar a prisão. Nessa argumentação está a grande “ginástica” hermenêutica feita na decisão onde o ministro confunde o que é um Crime inafiançável com uma Prisão inafiançável.
Ele tem razão ao dizer que a prisão uma vez efetuada é inafiançável, mas não é isso que a lei diz, ela fala em crime inafiançável que são aqueles que estão elencados no artigo que já vimos. Para explicar a diferença, vamos a um outro inciso do mesmo artigo que o Ministro citou:
Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). I – aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;
Código de Processo Penal
Notem que neste inciso se fala de um crime que anteriormente era afiançável mas que por uma questão superveniente deixa de ser. Isso não faz com que o crime em si seja inafiançável mas que naquele caso em específico não poderá ser arbitrado a fiança.
A título de exemplo, imaginemos que um sujeito seja preso por furtar uma joia e saído mediante fiança. Caso ele descumpra o estabelecido pelo art. 327 do Código de Processo Penal, que obriga o réu com fiança a comparecer perante a autoridade todas as vezes que for convocado. Sendo assim, a fiança é quebrada e o réu não pode requerer nova fiança.
Temos um caso claro em que não o crime, mas um outro elemento no caso concreto torna a prisão inafiançável. É por isso que não há o que se falar em inafiançabilidade do crime cometido.
Espero que tenha conseguido ser claro dentro de um assunto relativamente complexo. No fim, por pior que seja o Deputado Daniel da Silveira, sua prisão não é justificada dentro do que é o arcabouço legal brasileiro.
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